segunda-feira, março 17, 2008

"Um manual da vida por favor!"

Foi gelado, foi cruel!

Hoje, sai cedo de casa como em todos os dias. No mesmo vagão de todas as manhãs encontrei o mesmo espaço encostado na porta. Gosto deste espaço me faz distraído, a paisagem vai passando e não preciso observar as pessoas se empurrando por um espaço, seus hálitos amanhecidos, seu nervosismo por uma perna que roça a sua, os pagodinhos e músicas eletrônicas que insistentemente escapam dos ouvidos daqueles que não respeitam o espaço alheio, por mais que esse espaço pareça não existir em meio a tanta gente.
Mas hoje, tudo era aparentemente igual, pessimista que sou sempre observo o mundo pelo prisma imutável da insanidade e da fraqueza humana, mas hoje foi impossível não notar a incoerência humana que com seus olhos sofridos me pediu atenção.
Na estação Guilhermina embarcaram uma mãe e seu filho, o vagão já estava com seus corredores repletos, restando apenas os vãos entre as portas para os passageiros. Ali, encostados na porta a minha frente eles se escoraram, o menino entrou chorando e gritando, a mãe lhe puxava a cabeça contra o ombro, tentava de todas as formas abraçá-lo e mantê-lo calmo, o garoto portador da síndrome de Down (perdoem-me se a grafia estiver errada) insistia em falar alto “Mãe, eu não posso ir de metrô, eu não agüento mais, eu nunca mais vou olhar na sua cara, eu quero morrer”, mais tarde ficou claro os temores do garoto, “Olha aí, está vendo o que fez? Todo mundo está me olhando, todo mundo quer me ver doente”, ele começou a gritar “Pode olhar. Mãe, vamos de táxi, o vô paga, porque não podemos ir de carro, eu tenho ódio de você, eu vou sair e voltar para casa, não quero mais metrô, só vou se for de carro”, a mãe com uma paciência que só se justifica pela sua condição materna tentava de todas as formas abraçá-lo, ele fugia do abraço, se agarrava no ferro do metrô e chorava, a mãe foi por trás lhe fez alguns afagos na cabeça, pediu desculpas e o abraçou, “Filho, desculpa a mãe, mas o carro quebrou, não tem outro jeito de ir ao médico, deixa a mamãe cuidar de você que ninguém vai ficar te olhando, me abraça”, o garoto cedeu, abraçado à mãe ele seguiu até a estação Bresser. No túnel entre as estações Belém e Bresser o vagão ficou parado por um tempo, o garoto começou a sentir-se sufocado e recomeçou a discussão encerrada há tempos, mas muito mais nervoso “você não acha que eu não preciso ficar “de humilhado” no metrô? Eu tenho ódio de você, cadê o pai?”, a mãe insistia em abraços e pedidos de “calma”, “já vamos sair daqui”, em um momento de raiva o garoto se virou e de supetão deu um tapa na cara da mãe para em seguida se virar de costas para ela, ali parada, de frente para mim ela começou a chorar, mas era um choro diferente, daqueles que quem sofreu conhece, ela não grita, ela não contorce um só músculo da face, ela não emite um só som, ela apenas deixa correr pelo rosto a lágrima. Assustei-me.
Ela puxou o filho para perto e o abraçou, no ombro dele ela continuou chorando. Estava já um pouco inquieto com aquela cena, aproximei-me dela e perguntei se ela queria ajuda.
Ela me pediu para que a ajudasse a sair com ele do vagão, a próxima estação era Brás, todo o vagão olhava para ela e o filho. Assim que a porta abriu ajudei-os a sair do vagão, ela foi em direção aos bancos e o filho atrás, como se nada tivesse acontecido ele pergunta, “porque você está chorando mãe?”, ela diz, “nada, dor de cabeça”, eu sentei do lado dela e perguntei se poderia ajudar com mais alguma coisa, ela me disse que não. Perguntei se ele sempre ficava agitado dentro do metrô, “ele não gosta de lugares públicos, acha que todos sempre estão lhe olhando”, lhe perguntei a idade do menino, “24 anos – meu Deus, minha idade – mas o médico disse que a idade mental dele é de uma criança de 11 anos”, percebi a aliança em sua mão e cometi a grande bobagem do meu dia, “tenho um celular aqui, se a Sra. quiser pode ligar para alguém, será que seu marido não pode ajudá-la”, “meu marido morreu há um ano”, pensei em consultar aquele manual que sempre digo “manual das situações pelas quais não passei ainda”, mas ele estava bem longe, “desculpa” foi o máximo que conseguiu se ouvir de mim.
A intensidade do seu choro aumentou, me senti culpado, em um impulso segurei sua mão, “quer que eu compre uma água para a Sra.?” , ela fixou o olhar no garoto que brincava ao lado da lixeira e não falou nada, como desejei não estar ali, acho que nunca fui preparado para lidar com essas circunstâncias. Ela me perguntou a hora, “nove e quinze”, “preciso levá-lo para a consulta”, “de que forma posso ajudá-la?”, ela disse que já tinha ajudado que ia pegar o metrô de novo, antes de partir me disse “obrigado, não julgue meu filho por aquele tapa”.
Fiquei absolutamente pasmo com o olhar dela a vigiar a resposta que ia partir de mim, prolixo que estava só emiti um “de jeito nenhum”, ela então disse, “sabe, o médico disse que ele tem no máximo mais uns três anos de vida, depois desse tempo estarei só no mundo, fui casada por 22 anos, perdi meu marido, agora vejo meu filho nessa condição, aquele tapa na cara foi da vida”, segurei o choro para não contagiá-la, sei lá essa coisa de chorar é mesmo estranho, sempre que vejo alguém chorar fico mais sensibilizado.
Ela levantou, apertou minha mão, “vou chamar um táxi”, chamou o filho, desceu as escadas e acho que nunca mais vou voltar a olhar para aquela mulher e seu filho, mas uma coisa dela vai ficar eternamente em mim, A LIÇÃO.
Quando ela foi embora, chorei, fiquei esperando um próximo vagão, naquela curta espera e no caminho até o trabalho passou por minha cabeça todos os meus problemas, todas as minhas dores, minhas saudades e meus medos, descobri que eles não eram absolutamente nada quando colocados ao lado da história daquela mulher que não tem nem o direito de sonhar com um futuro melhor, já que neste futuro uma certeza ela já tem!

Um comentário:

Caroline Diogo disse...

Não é somente a lágrima alheia que contagia a nossa.
Palavras escritas de maneira tão simples e intensa como estas, também causam o mesmo efeito.
Fico cada dez mais orgulhosa por ser sua amiga.
Vc com certeza é um cara talentoso!
Não por somente escrever, mas pelo modo que transmite a mensagem.
Parabéns!